12 de mar. de 2008

Opus I







Eu sou dos cães o latir, da idade o pressentir e do sonho o resistir. Venho debaixo do seio por este meio no leito do teu peito. Eu quero dizer o sabor da fruta, ser-lhe polpa e caroço, mordê-la antes de ti. Vou da tua boca à beira de outra boca, à beira de outro ser. As minhas filhas são as que das outras bocas nascem, as que dos outros seres se inventam. Guardada atrás dos olhos sou-lhes o brilho, a serena expressão das águas. Fechada dentro da mão sou a palavra inquieta os dedos do afecto. E, se de um extremo ao outro da terra, houver uma árvore descalça, sou um segredo do vento, uivo à solidão. Eu sou o nome das ruas, a dor das escadas, a inaudível flor nocturna. Em mim, existem os astros, as areias minúsculas, todas as coisas divinas e nauseabundas. De prostituta a santa, eu posso ser a alma do mar, o que religa o céu aos desenhos das crianças. No ventre das cidades, das temperaturas registadas no teu corpo, eu sou a dança. Eu sou o mito das canções. Chamo-me Voz.




Evelina Oliveira




2 comentários:

Anônimo disse...

voz extrema. pulsante. vinda do ventre profundo onde a água é densa.

abençoada Voz. aberta à dissonância.

parabéns a quem de direito!

hora tardia disse...

a Voz que tanto é. a Voz que tanto dá.

uma Voz diferente.
esta.

beijo.

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